Absolvição de réu confesso no Tribunal do Júri
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3/7/20255 min read


Em um certo dia e mês do ano de 2022, fui até a penitenciária de Florianópolis/SC atender um “cliente” pro bono, colega de infância, éramos vizinhos.
Ele estava cumprindo pena privativa de liberdade por crimes patrimoniais. Até aquele momento eu havia atuado em alguns pedidos pontuais no processo de execução penal dele e mais um outro processo que estava na fase recursal.
No dia do atendimento ele apareceu no parlatório aos prantos. Relatou que um colega de cela havia morrido em briga corporal, e que, em virtude das circunstâncias, teve que assumir a autoria delitiva.
Entre choro e soluço, em dado momento disse ele: “minha vida acabou, eu sou um morto que apenas respira, não tenho mais perspectiva de futuro”!
Tentei o máximo que pude acalmá-lo naquele instante. Informei que viria um processo pesado pela frente, e que, dado os antecedentes criminais pretéritos, era certo que ele iria ao plenário do Tribunal do Júri.
Pouco tempo após o delicado atendimento, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina apresentou denúncia por homicídio qualificado com duas qualificadoras, motivo fútil e asfixia. A pena privativa de liberdade prevista para tal conduta é de reclusão de doze a quinze anos.
Durante o inquérito policial e a instrução da primeira fase do rito do Júri, foram produzidas poucas provas periciais, algumas versões testemunhais dos detentos que estavam alojados na mesma cela palco dos acontecimentos e dos policiais penais que atenderam a ocorrência.
Todos os presos ouvidos na delegacia de polícia e em juízo alegaram que não viram a briga, que não viram o momento da consumação do crime, pois já estavam dormindo. O crime aconteceu por volta das 23hrs. Relataram que somente acordaram com os tiros de borracha, estouros de bombas de gás e gritos dos policiais do Núcleo de Operações Táticas.
Ainda, parte dos detentos relatou que a motivação da briga que vitimou uma pessoa foi em virtude de desentendimento da rua, outros disseram que foi por vingança (pois a vítima havia matado o irmão do acusado), outros ainda que a motivação foi por dívida de drogas.
Ainda, alguns dos detentos disse ter visto o momento que o acusado assumiu a autoria do crime, outros disseram que ficaram sabendo que ele assumiu, tiveram poucos que disseram que nem viram e nem ficaram sabendo quem havia assumido.
Os policiais penais que foram ouvidos na delegacia e em juízo relataram que o acusado havia confessado para eles (policiais) ter matado a vítima por causa de vingança. Confissão essa ainda dentro da Penitenciária, não na Delegacia.
Como já era previsto pela defesa técnica, o acusado foi pronunciado. O Plenário do Tribunal do Júri ocorreu em 2024.
O acusado apresentou a versão dos fatos somente aos sete jurados, os juízes soberanos do Tribunal do Júri.
Aos jurados o acusado assumiu ter confessado a autoria do crime para os policiais ainda dentro da penitenciária. Mas que havia assumido não porque tinha matado, mas porque tinha sido coagido pelos demais detentos a assumir a bronca, para que somente uma pessoa arcasse com os futuros prejuízos e não todos. *Por fim, disse que sabia o que tinha acontecido no mencionado dia, mas que estava impedido de narrar pois sua vida estava em risco.*
Caso difícil. Estava em jogo a liberdade do réu de um lado e a vida de outro. A depender do que ele falasse em seu interrogatório que pudesse prejudicar outro detento, poderia ele perder a vida.
O réu chorou do início ao final no plenário do Tribunal do Júri. Chorou de angústia, de medo e por vezes de desespero.
Dada a palavra ao Promotor de Justiça após os primeiros atos do Plenário do Tribunal do Júri, este disse que a defesa técnica queria tirar um coelho da cartola após quase três anos de trâmite processual, pois, o acusado tinha tido oportunidade o suficiente de ter apresentado sua versão em momento anterior ao plenário.
Em seguida mostrou aos jurados os registros fotográficos da vítima já sem vida, as marcas das lesões corporais, os laudos produzidos, aliado aos poucos relatos testemunhais era de interesse para a acusação; por fim, pediu pela condenação ao argumento de que existiam provas em suficiência e que o crime tinha sido bárbaro.
Após a fala da promotoria de justiça, é dado a defesa falar por 1hr30min. A defesa deve sempre falar por último.
Inicialmente a defesa aduziu que não havia coelhos a serem tirados da cartola, pois mágico o advogado não era. Com relação ao silêncio exercido na fase policial e judicial, a defesa alegou que o silêncio pretérito foi intencional, pois de nada adiantaria falar para a polícia ou para o juiz que instruiu a primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, se, ao fim, quem iria realmente julgar o acusado eram os sete jurados e somente a esses era necessário apresentar a versão defensiva.
Ademais, a defesa iniciou a peroração ao argumento de que iria demonstrar que inexistiam provas suficientes para condenar a pessoa que estava sentada no banco dos réus.
E assim fez.
Com relação as fotos da vítima e laudos periciais apresentadas anteriormente pela promotoria de justiça, a defesa alegou que o MPSC demonstrou a materialidade de um crime brutal, mas que não havia logrado êxito em comprovar com limpidez a autoria.
No que tange os testemunhos. Quanto ao que os policiais testemunharam, realmente, o acusado havia assumido extrajudicialmente a autoria do crime, nesse ponto, não havia o que ser contestado; de outro lado, o mesmo não se pode dizer dos testemunhos dos demais detentos, que além de não terem sido todos em mesmo sentido, era nítido que todos tinham interesse que apenas um pagasse por todos.
Poucos dias após a ocorrência do homicídio, alguns presos alcançaram a liberdade por intermédio da condicional, progrediram de regime, foram soltos da prisão preventiva a que estavam submetidos. Muitos deles estavam próximos de alcançar direitos, e caso tivessem assumido a autoria do crime, não teriam direito de usufruir naquele momento da liberdade reconquistada.
Assim, após mostrar a prova da materialidade do crime desacompanhada de prova de autoria, mostrar que havia motivação dos demais presos em não assumirem autoria ou participação no intento criminoso, e que a probabilidade de que a pessoa que estava ali no banco dos réus havia sido ameaçada a assumir tudo era demasiadamente significativa; prevaleceu a tese defensiva. O réu foi absolvido por maioria de votos.
Ao fim, o choro do réu foi de felicidade!